16 de junho de 2009

Carta de um Diabo ao seu aprendiz - CS LEWIS

Carta de numero 8

Querido Vermebile,

Então você nutre “grandes esperanças de que a fase religiosa do paciente esteja gradualmente chegando ao fim”, pois sim? Eu sempre achei que a Faculdade de Treinamento chegou ao fundo do poço quando puseram o velho Catarruspe para chefiá-la, e agora tenho certeza. Será que ninguém nunca lhe falou sobre a lei da Ondulação?

Os humanos são anfíbios – metade animais, metade espíritos. (A teimosia do Inimigo em produzir tal hibrido repugnante foi uma das razoes pela qual Nosso Pai decidiu cessar de dar a Ele seu apoio.), Como espíritos, pertencem a eternidade, mas, como animais, habitam a temporalidade. Isso significa que, enquanto seus espíritos podem ser direcionados para um objeto eterno, seus corpos, suas paixões e sua imaginação estão em constante mudança – pois estar ligado a temporalidade significa passar por mudanças. Aquilo em que mais se aproximam da Constancia, portanto, é a ondulação – a recorrente volta a um nível do qual caem repetidamente, uma serie de altos e baixos. Se você tivesse observado o seu paciente com cuidado, teria percebido essa ondulação em todos os setores de sua vida – o interesse pelo trabalho, a afeição pelos amigos, os apetites físicos, tudo sobe e desce. Enquanto ele viver na Terra, períodos de riqueza e vitalidade física serão alternados com períodos de pobreza e enfraquecimento. A aridez e o embotamento que o seu paciente tem de suportar no presente não são, como você tolamente supõe, obra sua; são apenas um fenômeno natural que de nada nos servirá se não soubermos como manipulá-lo.

Para decidir o que fazer a respeito desse dado, você devera se perguntar como o Inimigo deseja utilizá-lo, e então fazer exatamente o oposto. Talvez você fique surpreso em saber que Ele, quando tenta obter o controle definitivo de uma alma, conta mais com os baixos do que com os altos; alguns de Seus ilhós prediletos suportaram tribulações mais duradouras e intensas do que qualquer outra pessoa. A razão é simples: para nós, os humanos não são nada alem de alimento; nosso objetivo é absorver a disposição deles para fortalecer a nossa, aumentar nossa reserva de egoísmo a custa deles. Mas bem diferente. Temos de admitir que toda aquela conversa sobre Seu amor pelos homens e sobre o fato de que o serviço a Ele é a perfeita liberdade não é, como acreditaríamos de bom grado, mera propaganda, mas uma terrível verdade. Ele realmente quer preencher o universo com inúmeras replicas de Si mesmo – criaturas cuja a vida, em escala menos, será qualitativamente como a d’Ele, não porque Ele as absorveu, e sim porque a vontade deles está em espontânea harmonia com a d’Ele. Nós queremos apenas um gado que finalmente poderá se transformar em alimento; Ele quer fortalecê-los. Somos vazios, e por isso queremos ser preenchidos; Ele está repleto e transborda. Nosso objetivo nesta guerra é um mundo aonde nosso pai das profundezas possa absorver todos os seres nele mesmo; o Inimigo quer um mundo repleto de seres unidos a Ele e ainda assim distintos.

E é aí que entram os tais baixos da ondulação. Certamente você já se perguntou varias vezes porque o Inimigo não utiliza os Seus poderes para estar presente de modo perceptível para as almas humanas, com intensidade que Ele escolher e sempre que desejar. Mas agora você percebe que o Irresistível e o Indisputável são duas armas que apropria natureza do Seu desígnio O impede de usar. Para Ele, de nada valeria simplesmente neutralizar a vontade humana (o que certamente aconteceria se Ele os fizesse sentir Sua presença, mesmo do modo mais débil e suave possível). Ele não pode violentá-los; pode apenas cortejá-los. Pois Sua idéia desprezível é ter ao mesmo tempo duas coisas incompatíveis: as criaturas devem ser Um com ele, e ainda assim distintos. De nada Lhe serve simplesmente anulá-las ou assimilá-las. Ele está disposto a guiá-los um pouco, no começo. Inicialmente, dá a Eles mensagens da Sua presença que, mesmo esmaecidas, são para eles grandiosas, repletas de grande candura emocional, e representam uma fácil vitoria sobre a tentação. Mas Ele nunca permite que esse estado de coisas dure indefinidamente. Cedo ou tarde Ele retira todo o seu apoio e incentivo – Se não de fato, pelo menos da experiência consciente deles. Ele deixa sua criatura andar com as próprias pernas – e por em pratica, apenas por sua própria vontade, todas aquelas tarefas que há muito não oferecem atrativo, É durante esses períodos de tribulação, bem mais do que nos períodos de pico, que a criatura começa a se transformar naquilo que Ele quer que ela seja. É por isso que as preces oferecidas num estado de aridez são as que mais Lhe agradam. Podemos arrastar nossos pacientes continuamente, tentando-os constantemente, porque os concebemos apenas como alimento, e, quanto mais pudermos atrapalhar sua força de vontade melhor. Ele não pode “tenta-los” para a virtude, assim como nós o tentamos para a perversão. Ele quer que eles aprendam a andar e, portanto, não lhes oferece a Sua mão; e, se a vontade que eles tem de andar for genuína, Ele será capaz de se satisfazer até mesmo com seus tombos. Não se engane Vermebile. Nunca a nossa causa corre tanto perigo como quando um humano que não deseja mais, mas ainda assim tenciona fazer a vontade de nosso Inimigo, perscruta um universo do qual Ele parece ter desaparecido sem deixar rastro, e pergunta porque foi abandonado, e ainda obedece.

Mas é claro que os períodos de baixa também nos dão ótimas oportunidades.